"Shopper" é o nome dado a quem está dentro de uma loja, comprando, ou quem faz a compra, online ou offline.
É extremamente comum quem trabalha com varejo se referir a essas pessoas usando o termo "shopper".
Seja do próprio varejo, seja fornecedor da indústria, até mesmo palestrantes, consultores, autores, nomes de empresas prestadoras de serviço ao varejo. É um termo comumente usado por muitos.
Mas não por mim. E tenho uma explicação humanística para isso.
Muitos que me conhecem sabem que não chamo de "shopper" as pessoas, os clientes, os indivíduos no ato da compra, em uma loja. Aliás, nas minhas palestras, conversas, consultorias, mentorias, essa palavra dificilmente sai e, quando sai, vem coberta de explicações e até pedidos de desculpas - seguido de risadas de todos!
Meu entendimento sobre a questão é simples:
chamar um ser humano de "shopper" o transforma em uma entidade em si, separada, apartada de algo enorme, complexo e rico - e mais importante - chamado "vida".
Vida essa através da qual a pessoa cria e carrega necessidades, angústias, vontades, sonhos, desafios, possibilidades. Um universo em si a se explorar, a se conhecer, a se atender. Mas que, muitos, colocam em uma caixinha pequena, limitada, restrita. "Shopper". Que parece só ter em mente a necessidade de comprar algo pagando o mais baixo possível por aquilo. Parece ser limitado e pouco empático.
Ao mesmo tempo, muitos utilizam a entidade "shopper" para diferencia-la de "consumidor". Ou seja, um compra, o outro consome. E um exemplo clássico é o de pet food. "O tutor é o shopper que faz a compra e o pet é quem consome o produto de fato, o consumidor".
Mas desafio, também, a definição de "consumo".
Me lembro quando gerente de produtos na Gillette eu quis lançar uma linha de pensamento que poderia gerar comunicação, ações, promoções. Linha essa cujo foco estaria no prazer (e alegria, alívio) que a pessoa amada, acariciada, beijada, sentia ao tocar seu rosto no rosto de um homem bem barbeado com um produto de uma das marcas que eu gerenciava. Já ouviu falar em "pele de bebê"? Pois é. Algo desejado na época na qual não tínhamos tantos homens barbados ou com barba bem aparada (como eu). Quantas pessoas, até mesmo crianças, não têm sua pele irritada ao seu rosto tocar no de um homem com barba mal feita e não cuidada? O pensamento partiu de um entendimento mais amplo sobre "consumo" e meu objetivo à época era fomentar companheiros e companheiras a sugerir o uso da marca pois eles ou elas se sentiriam melhor e poderiam se aproximar mais daquele homem bem barbeado, bem cuidado.
Então eu pergunto: o que é consumo? De forma ampla, meu entendimento é:
consumir algo é se beneficiar daquele produto ou serviço, direta ou indiretamente, não se limitando apenas a quem come, veste, usa, dirige ou usa fisicamente aquilo
Voltemos ao pet food. Quem deglute é o cão, não seu tutor. E o cão o faz inconsciente de todas as qualidades, benefícios e características do que está comendo. Mas com o cão bem alimentado e saudável, o tutor
o leva menos ao veterinário, usando melhor seu tempo
gasta menos com veterinário, medicamentos, produtos em geral
gasta menos gasolina
deprecia menos seu automóvel
fica menos preocupado com possíveis problemas de saúde do pet
possibilita vida mais longa e feliz ao pet com boa condição física e mental
interage mais, ele e família, com o pet que estará mais disposto e alegre
usa melhor seu tempo
Entendo profundamente a divisão do ser humano entre shopper e consumidor por quem o faz. De verdade. Entendo o racional. Mas essa divisão faz com que a indústria e o varejo não maximizem as possibilidades de entendimento e consequente atendimento de necessidades mais profundas daquela pessoa.
Nossas decisões são fruto de fatores não apenas tão antigos quanto nossa necessidade de nos proteger, de nos alimentar e de ser socialmente aceitos quanto fruto de fatores muito do presente, do dia da compra, como ter que fazer as compras e depois correr para pagar uma conta atrasada e ainda passar na casa do pai idoso que está doente para deixar as compras. E isso tudo com dor de cabeça... E isso afeta como compramos e consumimos, concorda?
E essas situações, necessidades, problemas, dores, são da vida da pessoa. Da vida do shopper que, ali, na loja, carrega tudo isso e tem sua compra afetada por isso nem como suas expectativas quanto a soluções, serviços por parte do local onde compra.
Trago alguns exemplos ilustrativos para ajudar na compreensão do conceito:
ainda que por vezes o consumidor não consiga comprar por razões naturais, o shopper pode ser um grande beneficiário daquele produto ou serviço. O pai do bebê é beneficiado no ato do uso da fralda pelo bebê pois também consome os benefícios da sua escolha, mesmo não a vestindo. A mãe de menina de doze anos é beneficiada quando sua filha usa maquiagem desenvolvida para crianças pois ela também a consome os benefícios da sua escolha, mesmo não a usando. Pois o pai dorme melhor e feliz com seu bebê sem assaduras e confortável e a mãe vê a filha experimentando coisas do mundo até mesmo das crianças mas sem alergias e se sentindo plena, orgulhosa ao ver a filha crescendo e se descobrindo. E essas necessidades do tutor do pet, do pai e da mãe são necessidades como pessoas, necessidades que se mantém em sua mente enquanto shoppers (comprando) e enquanto consumidores (cão, bebê e filha usando). As marcas do varejo e da indústria que perceberem isso terão maiores chances de se tornarem mais relevantes e serem comprados e preferidos
quem chama o cliente, a pessoa, o indivíduo de "shopper", tende isolar aquele ser do resto de sua vida, que é uma jornada cheia de influências antes e depois do processo de compra. Pensemos em um "shopper" que tem um filho alérgico a um ingrediente específico. Na gôndola, vai querer encontrar produtos sem determinados ingredientes. Se o varejista e a indústria não compreenderem suas necessidades ali no ato da compra, correrão o risco de colocar na TV recém instalada na loja, fruto do boom do retail media, o mesmo comercial que colocam na TV e nas redes sociais das marcas que costumam enaltecer o sabor e a praticidade de preparo sem ajudar a pessoa, ali na loja, onde tem acesso a toda a categoria, a encontrar o que quer comprar. Pior: se pensarmos no foco exagerado do varejo e da indústria em falar sobre preços e ofertas, essa TV certamente terá um retorno prejudicado por não estarem considerando uma necessidade da vida do seu cliente - alimentar seu filho sem gerar reações alérgicas, podendo até pagar mais (maior valor da categoria, ticket médio mais alto, etc) se perceber o valor que a loja oferece: serviço, empatia, apoio
o % da vida de um ser humano como "shopper" é incrivelmente baixo mas o % de sua vida no qual tem necessidades daquela categoria é incrivelmente alto. Pensemos na categoria de sabonete em barra e utilizemos números fictícios - próximos à realidade. Se levarmos 60 segundos em frente à gôndola de sabonete em barra fazendo a escolha do que comprar e repetirmos isso mensalmente, teremos gasto 60 segundos x 12 compras = 720 segundos em um ano. Isso representa 0,002% dos segundos que vivemos em um ano. Mas teremos passado 99,998% do ano querendo estar protegidos, cheirosos, cuidados, queridos, admirados! Portanto, a ênfase tão vista em preço e oferta no ato da compra sem a mesmo ou maior atenção em falar sobre benefícios que a pessoa espera ter nos 99,998% de sua vida pode ser miope. Preço tem sua importância e ofertas podem ajudar a vender mais ou ser escolhido. Mas se o foco for apenas nisso, isso terá que existir sempre, continuamente. É saudável, financeiramente falando?
Devemos nos lembrar, sempre, que lidamos com pessoas. Entidades criadas como shopper e consumidor têm seu papel, talvez até maior no âmbito educacional, ainda que eu prefira utilizar termos como "pessoas no ato de compra" ou "pessoas utilizando o produto". Pois estamos aqui para ajuda-las, sendo a venda uma mera consequência do valor que vêem no que fazemos por elas.
Também costumo chamar "shoppers" de clientes (que não é apenas quem está no ato pontual, "doing shopping", mas quem o faz continuamente, que gosta do que lhes oferecemos, portanto clientes) e até de consumidores (pois estão consumindo o que a loja tem a oferecer como ar condicionado, localização, som ambiente, navegação, atendimento e tudo mais que ela oferece e que ela é). Mas priorizo "pessoas" e "clientes".
Quanto menos observarmos a pessoa como um ser integral, dentro, fora da loja, on e offline, mais ineficientes seremos em nossas ações. Além de menos efetivos.
Compreender o comportamento do consumidor, assim como o comportamento do shopper, começa com o entendimento do comportamento humano, das pessoas. Fazendo isso associado à empatia, à profundidade, à análise, ao pensamento lateral, à conexão de pontos, teremos mais sucesso e seremos mais relevantes às pessoas.
E você, ainda chama pessoas de shoppers e consumidores? E quando não estão comprando (shoppers) ou usando o produto ou serviço (consumidores), são o que?
Sobre o autor: Christian Abramson, founder e diretor executivo da cübik consulting, empresa com serviços de consultoria, CMO as a service, palestras e advisorship para empresas e executivos de pequenas, médias e grandes corporações. Mais de 27 anos de experiência nas áreas de marketing, insights / inteligência de mercado e trade marketing, tanto de multinacionais quanto de startups.
Comentarios